IPH - Instituto de Pesquisas Hospitalares

Publicações Revista IPH Revista IPH Nº17 Um estudo sobre o controle arquitetônico de infecções hospitalares em 1980: caso do Hospital Regional de Chapecó - SC

Um estudo sobre o controle arquitetônico de infecções hospitalares em 1980: caso do Hospital Regional de Chapecó - SC Chayane Galvão e Jonathas Magalhães Pereira da Silva - PUC Campinas

Resumo

O presente artigo apresenta os primeiros resultados de uma pesquisa de mestrado que procura investigar as evoluções arquitetônicas nos espaços de saúde através de influências sociais, tecnológicas e legislativas. Parte do trabalho aqui apresentado busca exemplificar e ilustrar por meio de um estudo de caso como a Arquitetura Infecto-Preditiva se apresentava no Brasil entre 1974 e 1994. O recorte temporal deve-se ao fato de alterações legislativas federais terrem ocorrido no período impulsionadas por respaldos técnicos que questionaram e transformaram os paradigmas existentes. O Hospital Regional de Chapecó, desenhado por Irineu Breitman em 1980, é analisado por meio de marcações e releitura das plantas de projeto e aponta as estratégias projetuais aplicadas no ambiente construído a fim de conter a propagação de doenças. Por meio do estudo questiona-se as soluções aplicadas em cada situação, nem sempre sendo possível compreender as técnicas de
projeto utilizadas. 

Palavras-chaves: arquitetura hospitalar, arquitetura infecto-preditiva, partido arquitetônico.


Desde o surgimento de ambientes hospitalares foram inúmeras as mudanças ocorridas em função de diferentes fatores provenientes de diversas áreas do conhecimento. Ao longo da história o espaço de saúde melhorou significativamente alterando consequentemente o espaço arquitetônico hospitalar. Essas mudanças ocorreram em função de novos princípios e procedimentos médicos, assim como das inovações tecnológicas, principalmente na área de saúde e da construção civil. Mas, é somente a partir da metade do século XX que pode ser observado o início da formulação de normas brasileiras diretamente ligadas a formação destes ambientes. 

Estas normas surgiram com a necessidade de gerar uma padronização mínima em alguns ambientes do hospital para que este pudesse oferecer a melhor ergonomia e fluxograma aos pacientes e corpo clínico. Elas refletiam as "boas práticas" paulatinamente construídas e elencadas, além dos saberes médicos de cada época. 

Dentro destas reflexões vistas em normativas hospitalares no Brasil, destacamos aqui a Norma de Construção e Instalação do Hospital Geral, publicada pelo Governo Federal em 1974, que trouxe aos registros legais a preocupação quanto o controle das infecções de cunho hospitalar. 

Ao longo do século XX houve uma série de momentos importantes na mudança de paradigmas quanto ao controle de contágios e infecções hospitalares. Por exemplo, na decada de 1970 a norma indicava aos profissionais: "Evitar o cruzamento de trafego limpo e contaminado" (BRASIL, 1974, p.5). Essa sugestão referia-se ao uso de corredores apelidados de "sujos e limpos", os quais controlavam, por exemplo, a entrada de roupa limpa no ambiente, e a saída de resíduos por outro caminho. Assim eram projetados os setores contendo salas de cirurgias e enfermarias. Na década de 1970 a presença de dois corredores de circulação era uma instrução forte para o projeto e provocava um aumento das áreas de circulação em qualquer planta hospitalar. 

Em 1994 é lançada a nova publicação legislativa federal, que aborda projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde, quando já era de conhecimento geral que as questões de contágio poderiam ser controladas com higiene adequada, através da assepsia. Este conhecimento começa a surgir em 1980 quando passa-se a preticar, com os restritos conhecimentos da época, a chamada Arquitetura Infecto-Preditiva (BRASIL, 1995) que dialogava com os procedimentos médicos na busca pelo aperfeiçoamento da cura e da prevenção de infecções hospitalares.

A Arquitetura Infecto-Preditiva buscava hospitais mais seguros, muitas vezes sem ter um aprofundado embasamento cientifico. A Arquitetura Infecto-Preditiva foi o nome dado as ações impostas pela normativa de 1974, como as salas de cirurgia séptica, bloco cirúrgico de corredor duplo, elevadores e monta-cargas privativos para transporte de material "sujo", isto é, potencialmente infeccioso, entre outros. 

Em 1980 a consolidação da prevenção da infecção hospitalar é reformulada. A partir deste ponto, através de publicações mundiais, o entendimento da Arquitetura Infecto-Preditiva começa a ser alterado. Os documentos oficiais se referiam as práticas anteriores como "rituais mágicos inúteis que apenas oneram os custos hospitalares" que seriam desmascarados pela nova norma baseada em descobertas técnicas e científicas (BRASIL, 1995, p.15).

Foi na década de 1980 que, as Precauções Universais (PU), os Procedimentos de Segurança e a adoção das Barreiras Individuais (luvas, avental, máscara e óculos de proteção) se tornaram rotina aos funcionários e público presente em Espaços Assistenciais a Saúde (EAS). Com o entendimento e compreensão das ações de segurança individual nesses espaços, a Arquitetura Hospitalar passa a ser colaborativa - e não mais decisiva, provendo o ambiente da forma necessária para que essas ações aconteçam: 

(...) um lavatório-pia, por quarto, sem dúvida, constitui sólido suporte à implantação da nova tendência assistencial; assim como: torneira de água acionada por comando de pé ou por outro meio, capaz de liberar as mãos e preservá-las de contaminação; e, ainda, a provisão de espaço, sob o lavatório- pia, para o posicionamento de porta-saco plástico para roupa suja, de porta-saco plástico para resíduos sólidos e de recipiente sólido para o recolhimento seguro de agulhas de injeção servidas e, de outros pérfuro-cortantes; completam os apoios requeridos: prateleiras elevadas, sobre o lavatório-pia, para a guarda e pronto-uso, sempre à mão, das "barreiras individuais" (luvas, máscara, avental e outros). Os elevadores e monta-cargas são os meios usuais para o transporte da roupa; quando ensacada e acondicionada, em carros fechados, não requer precauções ou segurança adicionais; a recomendação de que o transporte seja feito por elevadores, preferentemente destinados a serviços, ou que não conduzam pacientes concomitantemente, são ditadas, apenas, por razões de "humanização" e disciplina (BRASIL, 1995, p.32).

Baseado nisso, o presente artigo apresenta uma análise do Hospital Regional de Chapecó, apoiando-se em demarcações e releitura do projeto arquitetônico, bem como respaldado pelas crenças e legislações vigentes na época para o melhor entendimento. A escolha desta arquitetura, assinada por Irineu Breitman, se justifica por sua data de concepção, 1980. Foi um projeto hospitalar orientado legalmente pela normativa restrita de 1974 e executado em um momento de transições de conhecimento a respeito da arquitetura hospitalar infecto-preditiva. 

O material aqui utilizado faz parte de uma pesquisa mais ampla, onde posteriormente é acrescentado novo estudo de caso que representa o pensamento arquitetônico posterior a norma de 1994. Nosso objetivo neste momento é ilustrar e entender como estes conhecimentos e normas eram traduzidos ao espaço arquitetônico hospitalar, considerando suas peculiaridades.


O Hospital Regional de Chapecó

O autor do projeto aqui apresentado e estudado é Irineu Breitman, que fundou em 1970 o escritório HOSPLAN, posteriormente denominado HOSPITASA, e foi o escritório responsável pelo projeto do Hospital Regional de Chapecó. A equipe, além de Irineu, era complementada com mais dois arquitetos e um médico consultor. Seus projetos apresentaram características bem marcantes e vistas em outros projetos de Irineu: predominância do partido horizontal e a prioridade para ventilação e insolação naturais (VICENTE, 2018). 

Localizado na cidade de Chapecó, oeste do estado de Santa Catarina, o Hospital Regional de Chapecó iniciou sua construção em 1982, inaugurando em outubro de 1986 com 60 leitos disponíveis. Atualmente, o complexo é nomeado como Hospital Regional do Oeste. Conforme constatado na análise dos desenhos técnicos de arquitetura no projeto de Irineu Breitman, o desenho original de 1980 contou com 6 pavimentos principais, ocupando um terreno de aproximadamente 35 mil metros quadrados. 

O sítio de implantação apresentava-se com uma inclinação de 15% no eixo leste-oeste. Para dispor 6 pavimentos, Breitman utilizou-se de 5 platôs - inseridos nas cotas 126, 122, 118, 112 e 107 (figura 01). Através dos platôs, Breitman nomeia seu partido de projeto como vertical-escalonado, conectando os pavimentos por meio do núcleo rígido (elevadores e escadas) e possibilitando acessos diretos a cada área. 

Na figura 02 é possível verificar os cortes realizados nos terrenos e o assentamento de cada pavimento. Pelo corte 2 e 3 nota-se que o bloco leste do quarto pavimento fica parcialmente enterrado. Bretiman justifica: "A necessidade de prover a maioria destes serviços com ar condicionado foi explorada colocando em piso com menor possibilidade de iluminação e ventilação.", refere-se aos serviços cirúrgicos e de tratamento intensivo, como será mostrado no estudo individual do pavimento. 

O primeiro pavimento abriga centrais de caldeiras e ar condicionado. Tem acesso direto pela Rua Israel e apoia-se sobre o platô de cota 107.  Conta ainda com acesso direto de veículos até a garagem e acessos individuais aos demais ambientes. Em depoimento coletado para a pesquisa de dissertação, Lucio Breitman - filho de Irineu - destacou que a dificuldade imposta pela alta declividade do terreno possibilitou a implantação de galerias subterrâneas abaixo do pavimento térreo, as quais permitiam o acesso e manutenção aos demais pavimentos de uma forma mais fácil e rápida.


Fonte: Acervo IPH, 1980. Adaptado pela autora.
Figura 01 - Implantação do Hospital Regional de Chapecó 



Fonte: Acervo IPH, 1980. Alterado pela autora. 
Figura 02 - Cortes esquemáticos dos platôs implantados no terreno, destaque 4° pav.


O segundo pavimento (figura 03) conta com um acesso de funcionários pela fachada norte, outro acesso de serviço na fachada sul e um terceiro acesso destinado ao público geral localizado na fachada leste. O bloco esquerdo conta com serviços gerais de administração e área de internação. A ligação com os demais pavimentos ocorre nesse mesmo bloco por meio de uma escada enclausurada e três elevadores. A separação de fluxos é realizada pela localização dos acessos e a distribuição dos ambientes internos, que criam uma barreira e
conduzem o público.

Fonte: Acervo IPH, 1980. Adaptado pela autora. 
Figura 03 - Segundo pavimento do Hospital Regional de Chapecó


O bloco da direita abriga os serviços de lavanderia, cozinha, lactário, manutenção e almoxarifado. É nesse bloco que as principais crenças da época começam a aparecer por meio do projeto arquitetônico. 

Ainda que já dotados de alguns avanços tecnológicos e conhecimentos acerca dos processos médicos, os hospitais da década de 1980 ainda atribuíam as soluções arquitetônicas a responsabilidade da prevenção. Essas soluções exerciam o papel da manutenção preditiva. O termo utilizado por Karman (2011) anos depois, diz respeito a ação de antecipar, e executar uma arquitetura que previna e antecipe os fatos tão temidos na época. 

Um exemplo desta crença no Brasil aparece em 1972, com Jarbas Karman quando define a lavanderia como "uma estação central receptora e distribuidora de germens." (KARMAN, 1972, p.59). E em 1976, a American Hospital Association publica a terceira edição do Controle de infecções no hospital e a respeito da lavanderia, é afirmado: "Além da sala para separação e estocagem, a lavanderia precisa ter salas separadas para o processamento, estocagem limpa e costura da roupa, para instalações sanitárias e para um escritório." (AMERICAN, HOSPITAL ASSOCIATION, 1976, p.59).

O fluxo citado pela American Hospital Association pode ser observado na marcação da figura 03, que ocorre pelo acesso, seguido pela lavagem de carros de transporte da roupa suja, por meio de uma sala isolada do contato com as demais zonas da lavanderia. Entre a separação e a finalização da lavagem não acontecem trocas diretas entre agentes físicos, apenas por meio das lavadoras de porta dupla. 

A sala de finalização de lavagem contempla uma antessala de controle, centrifugas, secadoras, calandras, prensas, passagem e nova sala de controle. O fluxo acontece da esquerda para a direita, e antes de chegar na rouparia para nova distribuição passa ainda pela área de costura. Esse fluxo e distribuição faz a composição do sistema de barreira, delimitando área contaminada e área desinfetada (números 01 e 02 respectivamente) (BRASIL, 1995). 

No lactário e na cozinha, a ideia do sistema de barreiras se repete. Existe um ambiente de recepção dos carrinhos "contaminados", que seguem a distribuição de louças sujas para outro ambiente e realizam a saída para distribuição por outro acesso, o "limpo".  Karman (2011) descreveu as salas que compõem a área da cozinha pelo sistema de barreiras e já acontecia em 1980: 
 
Sob o aspecto do planejamento físico, o sistema convencional contempla os seguintes ambientes e componentes, sujeitos a pequenas variações: plataforma destinada à carga e descarga; área de recepção e inspeção de gêneros e utensílios; área de armazenamento; área de câmaras frigoríficas; sala de nutricionistas; sanitários; depósito de material de limpeza; sala de recolhimento de resíduos; áreas para preparo de alimentos; áreas para cocção; área para preparação de dietas; área para desjejum e lanches; área para distribuição; área para lavagem de louças, talheres e bandejas; área para lavagem e guarda de panelas; área para lavagem de carrinhos; refeitórios, lanchonete para o público para mordiscos (snacks) e lanchonete para doares de sangue; lactário; sala para nutrição enteral (KARMAN, 2011, p.352). 

O terceiro pavimento (figura 04), o primeiro da torre de internações, representa a menor área. Abriga a internação geral e o isolamento, o que levanta alguns questionamentos sobre as barreiras utilizadas em projeto. Na figura, observa-se o pontilhado com flechas delimitando a área de Internação geral-isolamento a esquerda e, a área de Internação de clínica médica a direita. 


Fonte: Acervo IPH, 1980. Adaptado pela autora. 
Figura 04 - Terceiro pavimento do Hospital Regional de Chapecó


A área de Internação geral-isolamento conta com quatro enfermarias de três leitos cada e dois quartos semi-privativos, dois leitos cada. Essa área é atendida pelo posto de enfermagem central, sala de exames, prescrição médica e copa suja e limpa (número 01). É interessante notar que o mesmo atendimento ocorre na ala de Internação de clínica médica, porém não se repete no isolamento: os 14 quartos de isolamento - um leito, são atendidos apenas por um posto de dimensões menores e uma copa (número 02), sem separação entre área suja e limpa. 

Mezomo (197?), na década de 70, exemplificou três tipos de sistemas de distribuição de refeições encontrados em hospitais: sistemas descentralizado, centralizado e misto. O sistema descentralizado consistia basicamente no preparo da refeição na cozinha, e posterior distribuição em carros térmicos, apoiando-se em copas extras locadas em cada unidade de internação, para separar as porções e identificar as bandejas. O sistema centralizado dispensava o uso de copas, preparando, armazenando e acondicionando as refeições dentro da cozinha, saindo apenas para distribuição direta aos quartos. O sistema misto é definido como:

Pode ser o sistema, por exemplo, onde as dietas sobem porcionadas e identificadas da cozinha, sendo que a montagem das bandejas é feita na própria copa. 
Ou então, distribuição descentralizada para pacientes com dieta geral e distribuição centralizada para pacientes com dietas especiais, permitindo maior supervisão na última. 
Outra modalidade, seria a distribuição centralizada dos alimentos frios e descentralizada dos alimentos quentes (MEZOMO, 197?, p. 112Grifo nosso). 

Esta opção em destaque, apresentada por Mezomo (197?), pode explicar o porquê do uso irregular das copas sujas e limpas presentes no projeto. Por exemplo, o terceiro pavimento contém copas sujas e limpas para atender aos quartos e enfermarias, mas contém apenas uma copa - sem definição - para atender aos quartos de isolamento. Isto poderia ser justificado pensando que, os alimentos destinados aos pacientes em isolamento, saem da cozinha e destinam-se direto aos quartos, sem passar por um processo de finalização ou armazenamento, na copa limpa. A copa destinada ao atendimento desta ala deve proporcionar um apoio, se necessário, ou apenas receber os pratos sujos.  

O mesmo será notado no sexto pavimento, onde a ala de internação infantil é composta apenas por uma copa, sem definições. Mezomo (197?) destaca a importância no cuidado de preparo e transporte de mamadeiras, destacando que o manuseio das mamadeiras deve ser o mínimo possível. Pelas análises de projeto aqui realizadas, entende-se que Irineu aplicou no Hospital Regional de Chapecó, o uso do sistema misto. Estas informações foram aqui expostas para de alguma forma responder ao questionamento quanto as soluções de projeto empregadas. 

Outro questionamento se faz quanto ao acesso aos pacientes isolados, uma vez que existe uma área de transferência no corredor principal e outro acesso por um segundo corredor. Essas entradas secundarias para os quartos de isolamento só acontece em um dos lados do pavimento, deixando 6 quartos sem janelas. Ainda, não apresenta nenhuma barreira física, que pudesse indicar uma passagem permitida apenas a pessoas autorizadas.  O desenho permite entender que esse corredor cria dois acessos aos quartos. Nesses quartos de isolamento é utilizado uma antessala, o que segundo a American Hospital Association, descartaria o uso de corredores extras: 

3) uma ante-sala com pia, armários para aventais limpos e outros materiais, e espaço para um recipiente de materiais sujos. Essa ante-sala facilita a implementação das técnicas de isolamento sem necessidade de se usar o corredor. A figura 5 mostra a planta de uma sala de isolamento com ante-sala (AMERICAN HOSPITAL ASSOCIATION, 1976, p.79). 

O terceiro pavimento é ainda, o único que contém uma saída de emergência, localizada na fachada sul, com acesso direto a área externa. Sobre as rotas de fuga e saídas de emergência, a "Normas e Especificações Contra Incêndios", publicada em 1979 pelo Corpo de Bombeiros Militares de Santa Catarina especificava: 

Art. 141 - O número de Escadas Enclausuradas dos edifícios para outros usos, será calculado em função das seguintes condições:
a) Edifícios com mais de 30 (trinta) metros de altura, devem ser providos de 2 (duas) escadas;
b) A área do pavimento para uma única Escada Enclausurada não poderá ser maior do que 500 (quinhentos) m2.
c) A distância máxima a percorrer entre o ponto mais afastado e a porta de entrada da antecâmara será de 35 (trinta e cinco) metros, medida dentro do perímetro do edifício; (SANTA CATARINA, 1979).

Ainda no sobre o terceiro pavimento - que inicia a torre de internação - é interessante notar o que Lucio Breitman destacou como a importância dada por Breitman quanto a "forma e função" da estrutura. A utilização da malha de 1,20 x 1,20m por todo o projeto, aplica-se inclusive no dimensionamento dos quartos e locação de número de leitos. O arquiteto utilizava-se sempre de 1 malha ou meia malha, e dependia do número de pacientes a serem abrigados no quarto. As enfermarias, com 3 leitos possuem dimensão aproximada de 8,40m, enquanto que os quartos de dois leitos possuem 6m de comprimento. Esta forma rigorosa de seguir os valores estipulados em sua malha permitiu um aproveitamento total do espaço, sem desperdícios ou super dimensionamento dos apartamentos e ainda proporcionou a fachada da torre de internação um jogo de volumes e ritmo muito interessante. A sugestão da adoção desta dimensão de malha vai ser tratada anos depois pela norma RDC publicada em 2002.  
 
O quarto pavimento (figura 05), é onde se vê a extensão do edifício em direção à Rua Madri, atual Rua Montevidéu (fachada leste). Nesse pavimento repete-se a torre de internação, abrigando a Internação Obstétrica Ginecológica com capacidade de 30 leitos, e a Internação Obstétrica com "rooming in" contemplando 42 leitos. Além da torre de internação, o pavimento conta ainda com centro cirúrgico e obstétrico, berçário, unidades de recuperação e tratamento intensivo e centro de material esterilizado. 

A transição de uma ala a outra é conectada por uma sala de estar, que se entende como área de espera destinada aos acompanhantes com entes queridos em cirurgia. A localização desta área é justificada porém invasiva, uma vez que para acessar o centro cirúrgico, pacientes e equipe médica transitam livremente pelo espaço sem barreiras físicas. 



Fonte: Acervo IPH, 1980. Adaptado pela autora. 
Figura 05 - Quarto pavimento do Hospital Regional de Chapecó


O fluxo principal acontece pelo corredor "sujo" que contempla a passagem de mulheres em trabalho de parto, pacientes cirúrgicos e pacientes com necessidade de tratamento intensivo. O acesso dos pacientes ao corredor cirúrgico passa por duas áreas de transferência. Quando não é necessário a transferência para a UTI, o fluxo das salas de parto e salas de cirurgia é direto para a sala de recuperação. Cada acesso e saída, possui áreas de transferência. Karman descreve essas áreas como pontos de separação entre um fluxo e outro:

4. Sala de Transferência: A cama ou maca em que o paciente é trazido do seu quarto, alberga e coleta pelo caminho considerável quantidade de bactérias que não podem penetrar nas salas de cirurgia. É preciso, portanto, que na sala de transferência, situada na entrada do conjunto cirúrgico (e obstétrico), o paciente limpo seja transferido de seu leito para uma maca desinfetada, totalmente limpa e tratada com fixadores de fiapos (KARMAN, 1972). 

O centro obstétrico se organiza através do acesso por meio da sala de preparo, salas de trabalho de parto e salas de parto. Enquanto as mães são transferidas a sala de recuperação, os bebes são levados a um dos quatro berçários que o hospital disponibiliza: observação, infectados, patológicos e sem patogenias. O berçário para bebes sem patogenias abre uma janela ao corredor de passagem dos pacientes para contemplação de parentes e visitantes. 

O fluxo médico acontece pelo corredor direito, e leva direto as salas preparatórias para cirurgia. Para realização de cirurgia infectada, existe uma sala preparatória a equipe médica. O corredor "limpo" destinados aos médicos e enfermeiros leva ao segundo acesso das salas cirúrgicas. 

Desde 1995 o Ministério da Saúde já fazia ampla divulgação de que a localização de salas cirúrgicas deveria ocorrer entre dois corredores: "em nada contribui para melhorar a assepsia do bloco cirúrgico; podendo, pelo contrário, prejudicá-la pela introdução de mais um acesso; é uma solução arquitetônica e operacionalmente onerosa e sem justificativa técnica" (BRASIL, 1995, p.57). O contato da equipe médica com o paciente durante horas dentro do mesmo espaço, e o "despacho" do mesmo juntamente com os materiais e roupas sujas, em nada anula a limpeza do corredor por onde passar, desde que tudo esteja acondicionado dentro da técnica preconizada (BRASIL, 1995). 

O quinto (figura 06) e maior pavimento, abriga além do setor de internação médico cirúrgica, o espaço de consultas, fisioterapia, exames, laboratório, patologia, serviço de emergência e conforto médico. O bloco da torre de internação no quinto pavimento, conta com 68 leitos divididos entre enfermarias, quartos e apartamentos privativos. A conexão com o segundo bloco é feita pela capela.

Esse é o último pavimento que faz contato direto com o logradouro, o que permitiu, além da maior extensão e agrupamento de serviços, a locação de diversos acessos. Os três acessos da fachada leste são para o serviço de Bar, entrada geral de exames e consultas, e acesso/saída do necrotério (da esquerda para direita). Os três outros acessos, localizados na fachada sul, levam ao hemocentro, a emergência e ao conforto médico (de cima para baixo). 

A entrada geral divide o fluxo para três opções: consultas, fisioterapia e serviço social; área de patologia clínica; ou ainda as salas de exames. A planta do quinto pavimento organiza os fluxos como no segundo pavimento: pela distribuição dos ambientes. 


 Fonte: Acervo IPH, 1980. Adaptado pela autora. 
Figura 06 - Quinto pavimento do Hospital Regional de Chapecó


Todos os fluxos aos consultórios médicos levam a uma sala de espera, tendo a sala de consulta dois acessos. O médico entra pelo corredor que vem direto da área de conforto. Além dos consultórios, todas as salas de exames também possuem entradas separadas, com exceção dos eletros, uma vez que são exames realizados por técnicos. 

O acesso dos pacientes ao serviço de emergência ocorre somente pela fachada sul, e o acesso da equipe médica acontece pelo longo corredor que divide área de exames e emergência. Também nessa área localiza-se um vazio, que permite locação de janelas e a ventilação natural nos quartos da equipe médica.

O sexto pavimento, seguido pela casa de maquinas, fecha o bloco da torre. Nele (figura 07) concentra-se a unidade de internação pediátrica, que se subdivide em sub unidade A e sub unidade B. A sub unidade A, ao lado esquerdo, conta com 4 enfermarias de 0 a 2 anos, com 6 leitos cada. Essas enfermarias são acompanhadas por dois postos de enfermagem. Existem ainda 3 quartos privativos, de 0 a 2 anos com acomodação para acompanhante. A subunidade B contem enfermarias de 2 a 7 anos, enfermarias de 7 a 12 anos e quartos semi-privativos para idades entre 7 e 12 anos. Cada enfermaria de 2 a 7 anos conta com um posto individual, e os demais são comandados por 
um posto central. 

 Fonte: Acervo IPH, 1980. Adaptado pela autora. 
Figura 07 - Sexto pavimento do Hospital Regional de Chapecó


A copa desse pavimento também se apresenta apenas como um ambiente único, sem repartição de ala suja e limpa. Além desta incerteza sobre os ambientes, questiona-se o porquê da ausência de quartos destinados a pacientes de 2 a 7 anos. O andar ainda conta com uma área de recreação e área externa, caracterizada também como saída de emergência.

Quanto as soluções de insolação e ventilação aplicadas no projeto, Breitman afirma: "O posicionamento das unidades de internação, com os quartos dos pacientes voltados para leste e oeste, permitirá insolação adequada.".  Sabe-se que em projetos, o sol oeste normalmente é evitado, barrado ou controlado por meio de estratégias diversas. A cidade de Chapecó está localizada em uma região de clima frio, sendo justificado em alguns momentos os ambientes com face a oeste para que o calor da tarde permaneça no ambiente durante a noite. Porém, não há em projeto nenhuma estratégia utilizada para o controle, mesmo que pontual, desta insolação. 

Nas figuras 04, 05, 06 e 07, é possível observar as variações do posicionamento da torre de internação, contudo a proteção do sol oeste é nula. A fachada oeste contém grande quantidade de aberturas nesta direção, novamente sem nenhuma proteção. A fachada norte, que em estudos é a insolação que mais beneficia os ambientes, apresenta um número mínimos de aberturas. Lucio destacou que a insolação e ventilação adequada dos ambientes sempre foi uma consideração importante em todos os projetos de Breitman, e acredita que a opção pela orientação leste-oeste da torre de internação justifique-se pelo clima frio da cidade.


Conclusões

No momento do projeto do HRC, o modelo vertical já era amplamente aceito e replicado, inclusive no Brasil. Porém, além de características e preferências pessoais do arquiteto chefe - Irineu Breitman, o sítio não favorecia um projeto totalmente vertical. Imagino que um único volume de vários andares locado ao centro, ou próximo a alguma das vias circundantes, iria prejudicar o desenvolvimento do projeto, limitar seu acesso, e desperdiçar o grande espaço disponível. Ainda que com limitações de desnível, o escalonamento e distribuição dos setores permitiu que todas as áreas fossem atendidas e agrupadas por meio de um layout característico de 1980.

O HRC por sua vez, apresenta apenas um núcleo rígido no projeto sem restrição de uso a funcionários ou acompanhantes. Deve-se considerar, no entanto, que embora o projeto ofereça apenas uma opção de fluxo vertical, os seus dois maiores pavimentos - quarto e quinto- são compostos por uma planta horizontal, apoiados em platôs e não totalmente sobrepostos, o que dificulta a inserção de mais opções para o trânsito vertical. Questões de orçamento também devem ser consideradas. 

Ao ponderar sobre esta deficiência em oferta de escadas ou elevadores, a circulação critica interna também deve ser levada em conta. Como já apontado, espaços como a cozinha, lactário, lavanderia, costura e centro cirúrgico eram classificados como espaços críticos, onde o cuidado com infecções era uma preocupação constante. Considerar colocar outra opção de fluxo poderia interferir nesses cruzamentos críticos. 

Sobre as torres de internação ainda é possível fazer uma análise com as ideias de Florence Nightingale e Tenon. Seus estudos aplicados aos pacientes internados em longos pavilhões, com aberturas em ambas as fachadas e um maior distanciamento entre camas foram adaptadas no século XX e permanecem nos projetos atuais.  

Pode-se dizer que uma releitura de seus estudos está aplicada as torres de internação do projeto. Vejamos que, os pavimentos de internação são compostos porpavilhões longos, com acomodação dos pacientes em ambos os lados, bem como as aberturas. As alterações são a separação por quartos e a descentralização dos postos de enfermagem. 

Entretanto, para uma manutenção econômica e assistência eficiente é imprescindível que os quartos sejam dispostos de ambos os lados dos corredores. Fachadas e corredores devem ser ocupados só por acomodações de pacientes. É bom sempre ter em vista que a mais compacta disposição dos leitos corresponde ao menor percurso de serviço (CYTRYNOWICZ, 2014).

As áreas de transferência, presentes no setor cirúrgico do HRC se tornaram obsoletas após 1994, quando a legislação não indica mais a necessidade de evitar o cruzamento de fluxos limpos e sujos. Esses espaços eram destinados a troca de macas para manter o corredor "limpo" e livre de microrganismos causadores de infecções. 

Em relação aos centros cirúrgicos, o HRC apresenta salas individuais para Anestesista e Enfermeira Chefe, que embora não caracterizem ambientes primordiais ao funcionamento deste espaço, pode sugerir mais uma forma compactar o edifício hospitalar, uma vez que a exclusão de tais espaços em nada prejudica o fluxo ou funcionamento da ala cirúrgica, pelo contrário, a torna mais compacta e restrita a acesso somente quando necessário.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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KARMAN, Jarbas. Manutenção e segurança hospitalar preditivas / Jarbas Kannan ; (prefácio de Celso Skrabej. - São Paulo :Estação Liberdade; IPH, 2011. Disponível em: <http://www.iph.org.br/acervo/livros/manutencao-e-seguranca-hospitalar-preditivas-1036> Acesso em: 10 03 2020

MEZOMO, Iracema F. de Barros. Organização e administração do serviço de nutrição e dietética. [São Paulo, SP]: SBS, 197-]. 199 p.

SANTA CATARINA, Bombeiros Militares de Santa Catarina. Normas e Especificações Contra Incêndios, 1979.

VICENTE, E. R. S. A arquitetura de hospitais de Irineu Breitman. Revista IPH, São Paulo, n. 15, p.35-56, 2018. 

Chayane Galvão é Mestranda do POSURB-ARQ PUC-Campinas. Atua na Linha de pesquisa em Projeto, inovação e gestão em Arquitetura e Urbanismo. Arquiteta e Urbanista pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2013-2018). Trabalho de conclusão de curso realizado na área de relação entre arquitetura, espaço e sentimentos em ambientes hospitalares. Monitora de Desenho Técnico (2014-2015). chayanegalvao@hotmail.com

Jonathas Magalhaes Pereira da Silva é Profo Dr. do POSURB-ARQ PUC-Campinas. Como consultor atuou na coordenação técnica: do Plano Sócio Espacial da Rocinha RJ; de 11 planos participativos da região serrana do ES; de Projetos urbanos dos corredores de transporte em SP, do Master Plan para CDHU-SP, do Plano de Saneamento para Paragominas - PA, do Plano de Infraestrutura da UNIFESP - Campus São Paulo, entre outros. jonathas.silva@puc-campinas.edu.br

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